(Sem) Destino


Alberto era casado, tinha três filhos, todos matriculados em colégio particular. Era um marido exemplar, um ótimo pai, ótimo filho, ótimo neto. Sempre estudou muito, tinha um excelente emprego, ganhava muito bem e viajava pelo mundo. França, Espanha, Itália, podia escolher qualquer destino. Certo dia, sem a ninguém avisar, arrumou as malas, apenas uma mochila, onde cabia o que importava - uma muda de roupa, uma necessaire, um revolver 38 e um ipod. Pegou a chave do carro, que metodicamente deixava, todos os dias, em cima do aparador da sala, ao lado de sua carteira e seu blackberry. Ele queria ir para longe, buscava algo diferente, não sabia exatamente o quê, mas procurava uma vida que ele não tinha. Essa era a certeza dele no momento em que trancou a porta da sala do seu duplex.

Não ligou o som do carro, dirigiu em silêncio, um silêncio que lhe cortava a garganta, pois deixava pra trás o patrimônio que acumulou durante quase meio século. Uma perfeita construção, agora em decadência. Uma ruína erguida por ele próprio, por suas escolhas, todas bem feitas e bem pensadas. Talvez, até demais.

Era uma noite quente, os relógios da Avenida Atlântica alternavam entre 30° e 23:55h. Alberto dirigia sem rumo e sem direção, como jamais havia feito antes. Ele passava pelas ruas da Zona Sul do Rio notando cada detalhe. Os quiosques da praia fechados, as putas de Copacabana em busca de trabalho, os bares de esquina já vazios, os fétidos caminhões de lixo circulando. A janela do seu carro emoldurava uma tela pintada de solidão, em cores desbotadas como um quadro de Hopper. Ele observava, através do pára-brisa do seu Volvo, o paradoxal cenário da cidade maravilhosa, na qual dividem o palco a beleza das paisagens e a miserável rotina dos mendigos pedindo esmola.

Seguiu pelo aterro do Flamengo, onde nenhum carro transitava, somente o dele. Avistou, ainda de longe, um vulto branco atravessando a pista. Assustou-se e reduziu a velocidade para verificar o que era. Ao se aproximar do vulto, que agora já começava a tomar forma, freou o carro até parar. Nitidamente visualizou uma mulher de branco, de noiva. Não havia véu, nem grinalda. O vestido usado por ela não era decotado, mas deixava à mostra o seu colo. Sua alva pele era como leite e seus cabelos cor de vinho, ao escorrerem pelos ombros, contrastavam com a sua clara tez.

Alberto ficou encantado com a ruiva que mantinha a cabeça baixa e o rosto escondido atrás das duas mãos. Rapidamente, sem sequer girar a chave na ignição, ele saiu do carro e foi de encontro à mulher. Logo percebeu que ela chorava. Chorava tanto que tremia. Ele chegou perto e envolveu-a com os braços. O abraço foi retribuído por outro mais apertado, quase sincero. Sussurrando no ouvido da moça, perguntou baixinho “porque está aqui sozinha, isolada, e chorando?”. Ela respondeu entre soluços e lágrimas, “meu noivo não me amava e por isso não fui à igreja, o abandonei no altar”. E chorou mais, aos prantos repetia “nunca fui amada, nunca, por ninguém”, em uma atitude que o consternava e o excitava, num movimento conjunto e pulsante.

“Você não pode ficar aqui. Para aonde quer que eu te leve?”, perguntou o homem.
“Para qualquer lugar”, respondeu enquanto enxugava o lindo rosto borrado de maquiagem.
“Então, vamos até o meu barco”, decidiu ele.

Eles dirigiram-se até a Marina da Glória sem trocar uma palavra sequer. Ao mesmo tempo em que a estranha situação os silenciava, também os fazia pensar em coisas absurdas. Nesse momento, os pensamentos mais impuros já dominavam ambas as mentes confusas. Havia pouca luz, apenas a iluminação da Lua quase cheia, que atuava como cúmplice do desejo velado pelos dois. Ao estacionar, saíram do carro e se beijaram como adolescentes, a respiração ofegante revelava o tesão que o casal sentia. Enquanto tinha suas costas arranhadas, o homem apertava a pequena bunda da moça e lambia os bicos rosados dos seus peitos. Os seios da mulher cabiam perfeitamente na forma de concha que Alberto fazia com mãos ao apertá-los. Entre os beijos, que eram descontinuados pela respiração esbaforida, foram até o deck, na popa do barco, e começaram a trepar ali mesmo na varanda externa, ela apoiada sobre o corrimão de entrada e ele por trás. Os gemidos eram altos e acompanhavam a velocidade com que metia seu pau na boceta da noiva foragida. Entraram no pórtico interno esbarrando nos utensílios decorativos, que eram ignorados mesmo quando se quebravam ao cair no chão. Com vigor, ele forçava uma penetração cada vez mais profunda, fazendo a mulher de cabelos rubros gritar de dor e prazer ao mesmo tempo. De um lado para o outro, variavam a intensidade do sexo à medida que mudavam de posição. Ora mais, ora menos selvagem, treparam feito animais.

A manhã chegou com uma brisa gelada após a última foda. O homem ficou recostado apreciando a serenidade na qual se encontrava a moça, que estava com o vestido semi-aberto sentada na outra extremidade da cama. Naquele instante, a única vontade de Alberto era permanecer parado, ali, o resto da vida contemplando a beleza da linda amante. Seu passado não tinha mais importância, sua história poderia ser apagada. As memórias dele não valiam mais nada quando comparadas às daquela noite.

“Tenho que ir, meu marido me espera”, disse a ruiva, levantando-se da cama num impulso.
“Espere!”.
“Não posso, tenho que ir”, insistiu ela.
“Eu estou disposto a largar tudo por você. Minha mulher, meus filhos, minha família. Tudo!”.
“Não acredito nisso... Essa noite não passou de uma aventura para nós. Um delírio! Nada disso é real!”.
“O que você quer que eu faça pra te provar? Eu te amo! Isso é real!”.
“Para de dizer essas coisas. Nenhum homem nunca me amou antes, não será você que irá me amar agora. Ainda mais depois de uma fantasia como essa”, disse ela chorando. “Você não vai me convencer. Vou embora!”.
“Mas eu te amo...”, ele falou desolado, sabendo que não haveria como mudar a decisão da moça. Enquanto ela abotoava apressadamente o vestido branco, Alberto, de mãos atadas, angustiava-se com a certeza feminina do discurso que acabara de ouvir. À medida que os botões da roupa dela eram fechados, ele se sentia cada vez mais esmorecido.

Em um surto de desespero, Alberto pegou na mochila o seu 38 e descarregou os seis projéteis do tambor no peito de sua amada. Ao passo que atirava, sua angústia ia reduzindo até ele se dar conta do que realmente estava fazendo. Em estado de choque colocou o cano da arma na boca e ficou estático com o olhar fixo, pensando somente na tragédia que protagonizava.

A noiva caiu desacordada sobre a cama com o vestido manchado de sangue e um brando sorriso estampado no rosto. Quando a primeira bala penetrou em seu coração, veio-lhe a certeza de ter sido amada por aquele homem. Ela morreu feliz, como jamais havia sido.


[ Tela: Noiva ruiva. Autor desconhecido]

(*) Créditos ao meu pai, Luiz Cesar Faro, e ao amigo Rodrigo Paes, que me ajudaram a lapidar este conto e tirá-lo da bruteza inicial.