Faço sinal, o motorista freia.
Esperei calmamente o abrir da porta, subi os degraus e me direcionei ao trocador, entregando-lhe uma nota de dois reais. Enquanto aguardava o troco e girava a roleta, observei com um leve movimento de pescoço a parte interna do ônibus, notando rapidamente a disposição dos passageiros presentes, que queriam apenas chegar a seus destinos. Percebi que havia alguns lugares vagos e fui me sentar, ainda guardando no bolso as moedas devolvidas. Escolhi um banco que estivesse duplamente desocupado e sentei-me no corredor, conforme eu fazia sempre. Como não havia ninguém no acento ao meu lado, coloquei ali a bolsa que carregava.
O motorista segue seu itinerário. Eu permaneço sentado ao lado da minha mochila, observando as diversas cenas que são interrompidas pela moldura da janela.
Perguntei a mim mesmo por que eu nunca escolhia sentar-me em um banco parcialmente ocupado. Mais que isso, me perguntei por que eu sempre escolhia sentar-me no lado oposto a janela. Local que, a priori, seria menos agradável, na medida em que é menos fresco e tem menor visibilidade para a paisagem.
Olho para o lado e vejo duas crianças, de aproximadamente 10 anos, brigando por um lugar mais próximo ao vento.
Aquela minha escolha parecia, portanto, uma decisão habitual e inocente. Porém, refletindo melhor, deduzi que não era uma arbitragem ingênua. O ato, que parecia ser contraditório, era astuto e calculado, pois sentando naquele banco - exatamente no corredor - eu me localizava numa posição estratégica, onde a passagem para o acento da janela era praticamente impossibilitada para qualquer entrante. Assim, eu impedia de maneira "educada" que uma pessoa desconhecida dividisse o banco do ônibus comigo.
Comecei a buscar em minha memória recente e relembrei dos movimentos que eu fizera minutos antes, quando uma senhora subiu as escadas e veio em minha direção à procura de um lugar para acomodar-se. Avistei-a e rapidamente desviei o olhar, fingindo não tê-la notado. Em um movimento quase involuntário, eu inibi aquela senhora a romper a barreira do silêncio e me pedir licença. Sutilmente, apenas forçando um desencontro, coibi a mulher. Era como um mecanismo de defesa, no qual eu constrangia o outro e ganhava o meu espaço.
Em um movimento contínuo, abro minha mochila e pego um livro. Leio dois parágrafos, mas nada é fixado em minha mente. Paro de ler.
Por que eu não queria dividir meu acento? Seria vergonha, timidez? Medo? Seria instinto animal? Talvez estivesse preservando apenas a minha privacidade, que é de direito. Pode ser isso... Certa vez, no colégio, minha professora de História disse que, no estado de natureza pré-social, a lei do mais forte regia o mundo, pois o homem era lobo do homem. Ou seria este o bom selvagem? Não faz diferença, mas recordo que o problema maior era o surgimento da propriedade privada, que se fundou no dia que o primeiro homo sapiens cercou seu pedaço de chão, seja por medo ou ganância, e impôs aos demais: "essa terra é minha".
A partir dessa simples ação, surgiu o contrato social. Todos tem direito à vida e à liberdade, mas cada pessoa renuncia um pouco de sua liberdade em troca de uma vida digna, assegurada pelo Estado. Dessa forma, o governante se assemelha a um corpo político que cria leis conforme a vontade geral da sociedade. Tudo balela! Nada é garantido. Nós continuamos a ser conduzidos pela lei da maior força, mas agora representada pelo poder. Manda o suserano, manda o Clero, manda a nobreza, manda a burguesia, manda o detentor de capital. Manda aquele que senta primeiro no banco do ônibus.
Percebo que não vou conseguir ler e, automaticamente, guardo meu livro na mochila, que se encontra agora em meu colo.
Aí está o erro. Não é porque eu tenho o poder de ter chegado antes nesse acento, que eu tenho o direito de apropriá-lo. Sim, o poder, nada de itálico! Afinal, eu posso coagir o outro a não se sentar, simplesmente fingindo estar desatento. Isso é poder. Pouco, mas é. Esse tipo de coisa, quando elevado a uma "esfera maior", é capaz de acarretar conflitos desastrosos. Brigas, mortes, guerras... Ok, estou exagerando, é só um acento de ônibus. Que viagem... O que eu deveria ter pensado desde o início é que este espaço é público, este transporte é coletivo. Ou seja, não posso cravar uma bandeira e sair dizendo para Deus e o mundo que é meu. Não posso eu, não pode você, não pode ninguém. Não pode! "Com licença". Um passageiro, que eu não tinha notado entrar no ônibus, interrompeu o meu pensamento e solicitou passagem.
O meu ponto havia chegado. Levanto-me, comprimento com a cabeça o rapaz que iria ocupar meu lugar e desço ajeitando a mochila nas costas. Atrasado, acelero o passo.
[ Tela: 4108 – Mangabeiras, 2008. Gustavo Ribas ]