A festa



- Olá, meu grande amigo. Como está?
- Estou ansioso e preocupado.
- Não é pra menos...
- Vamos ao que interessa! Pensei bastante no assunto e estou querendo uma bela festa, pra ser lembrada por todos. Quero que chame gente do trabalho, da faculdade, do colégio, mas principalmente os amigos mais íntimos.
- Um motivo para um reencontro de todos?
- Exatamente, um motivo para um reencontro, mas não de todos. Alguns merecem o esquecimento. Às vezes penso que eu não passo de uma vaga lembrança na memória dos "velhos amigos", tipo poeira cósmica solta no espaço. Então, pra que convidá-los? Esses não precisam sequer ficar sabendo, pois acredito que seria indiferente.
- Você possui o contato de todos que quer chamar?
- Juntei a maioria. Tome a listagem. Se estiver faltando alguém, o Orkut se encarrega de achar para nós.
- Orkut? Isso já está ultrapassado, meu velho amigo.
- (Olhar de desleixo) MySpace, Facebook, Twitter. Use a inutilidade que quiser, mas tente achar as pessoas, por favor. Nesta lista contém quem há de mais importante.
- Ok, ok. Não será difícil. Familiares?
- Sim... Esses sempre estarão presentes, mesmo que eu não os convide. É inevitável. Família é um fardo que você carrega para o resto de sua vida. Ou a dívida é financeira ou é emocional, contudo, uma coisa é certa: ela é impagável.
- E quanto à festa em si?
- Você me conhece. Quero algo bem conservador, mas nada tradicional. Alguma coisa que fuja aos padrões, justamente, por ser mais agradável.
- Tipo o quê?
- Uma recepção com canapés variados, queijos e pastas.
- Patê, pastas de queijo, cebola...
- Isso, diversas. Depois desses tira-gostos, gostaria que um chef preparasse um almoço de alta qualidade.
- Ninguém liga pra qualidade, meu velho. As pessoas querem comer qualquer porcaria e arrotar caviar. Sabes disso melhor que eu.
- Quem sabe não aproveitam a oportunidade e aprendem um pouco de gastronomia?
- Você acha que alguém que acorda todo domingo e fica em pé no meio da rua pra almoçar aprenderia? As pessoas entram no restaurante após uma hora de fila, são atendidas com um servicinho de merda e pagam caro por isso. Pra piorar, depois de tudo, tem a cara de pau de dizer que o local é de qualidade e a comida, que é feita aos quilos e fica entregue às moscas, é excelente. Até recomendam! Você acha que essas pessoas aprenderiam?
- (Raiva) Fodam-se as pessoas! (Pausa) Desculpe-me. A festa é minha e eu quero um almoço decente, pelo menos, para os que apreciam uma boa culinária.
- Seria perda de tempo e de dinheiro, mas se você quer assim...
- Eu te entendo. Porém, não quero ser conivente com esse tipo de atitude, com essa anorexia gastronômica, com essa cegueira do cotidiano. Prefiro "perder" este tempo, que não me fará falta, para os poucos que valorizam coisas boas de verdade, do que alimentar esse mundinho de merda com um rodízio de pizza. Quanto ao dinheiro, eu tenho o bastante.
- Admiro essa nobreza que habita em seu coração. Entretanto, não possuo tal virtude. Pois bem, qual será o cardápio?
- Pensei em três opções. A primeira seria uma carne, escalopinhos finos à Sibérienne, acompanhados com batata roesti. A segunda, um peixe, linguado ou salmão à Belle Meunière, com arroz de amêndoas. Pra completar, a terceira seria uma massa, um fettuccine à bolonhesa ou aos quatro queijos. Alguma sugestão?
- Acho que não. Só de ouvir, já me deu água na boca! Quem fará esses pratos?
- Chame o Aloísio e o Arnaldo, da Casa da Suíça. Embora o primeiro seja tricolor e o segundo, vascaíno, não há melhores cozinheiros no Rio de Janeiro. Além disso, eles são praticamente da família.
- Está anotado.
- Ah! No couvert de entrada, sirva carpaccio e bruschetta. Deixe também um consommé como opção.
- Vamos às bebidas?
- As bebidas... a melhor parte! Festa sem álcool é igual a sexo sem boceta.
- (Risos) O que quer que eu compre? Champagne?
- Champagne é essencial! Pelo menos, para o início da celebração.
- O que mais?
- Sirva champagne, whisky e cerveja durante a recepção; vinho tinto e branco durante o almoço; e, pra fechar, licores ao término.
- Drinks, coquetéis?
- Nada disso. Pode até ter mais opções no bar, mas nada muito colorido. Isso é coisa de mocinha. Não se esqueça de refrigerante e água, com e sem gas.
- Claro. Sucos também?
- Sim, sim. Quero sucos de frutas bem variadas.
- Algum vinho em especial?
- Essa parte eu deixo por sua conta, pois você entende disso melhor que eu. (Pausa) Quero licores de rótulos diversos, de Bailey`s à Tia Maria.
- Sobremesas?
- Apenas petit gateau, mousse de chocolate, cheesecake e frutas.
- Nenhum doce português?
- Pastel de Santa Clara.
- Excelente!
- Bem, acho que é isso.
- Faltou a música...
- Claro! Como eu pude esquecer. Pode tocar Jazz, Blues e Tango.
- Nesta ordem?
- Sim, nesta ordem, mas eu quero música clássica no fim, terminando com Réquiem de Mozart.
- Bom, muito bom. Finalmente concluímos. Será um grande evento...
- Agora faça-me um favor. Traga-me um copo de Jack Daniel`s sem gelo e peça para o doutor desligar os aparelhos em 15 minutos.
- Vou sentir saudades, meu amigo.
- Eu espero não sentir nada. Uma última coisa: tome conta dela.


[ Tela: Banquete Surreal, 2005. Gustavo Saba ]

15 comentários:

Júlio X disse...

Muito bem Raquel! Acho que às vezes você precisa repensar sua vida. Talvez você se conheça menos do que pensa. =*

(da série lapsos de si mesmo)

Layanna Azevedo disse...

Muito bem Raquel! Acho que às vezes você precisa repensar sua vida. Talvez você se conheça menos do que pensa. =*

(da série lapsos de si mesmo) [2]

Texto bem bacana! (Tirando algumas referências copiadas no decorrer dele, tipo as bebidinhas coloridinhas do Diogo). =p

Anônimo disse...

Meu amigo Freud de boteco!
Curti!
Sem sem clichês e a leitura nada cansativa.
Acho que foi o melhor texto postado até agora. Acho excrusive, que vc devia participar do VIII concurso de contos da cidade de niterói. Partiu? :D
Mandou bem, mlk !
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- Ok, ok. Não será difícil. Familiares?
- Sim... Esses sempre estarão presentes, mesmo que eu não os convide. É inevitável. Família é um fardo que você carrega para o resto de sua vida. Ou a dívida é financeira ou é emocional, contudo, uma coisa é certa: ela é impagável.
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Muito true :/

João Pedro Faro disse...

Foi uma homenagem ao "seu mocinha!".

Layanna Azevedo disse...

ninguém me homenageia.

(sem gracinhas).

Anônimo disse...

Pensa pelo positivo: sempre que apareço no blog de Júlio é, puramente, com fins ilustrativos sobre "o que não se deve fazer".

João Pedro Faro disse...

Família: papai, mamãe, titia...

Toninho, bora meter bala nessa parada ai!

L.C., não posso fazer gracinha?

Regina Erva-da-Graça disse...

Gostei mto disso.

Layanna Azevedo disse...

"Ainda encontroooo a fórmulaaaa do amooor"

tá fudido.

Júlio disse...

O Sr. 8/80 côncavo/convexo.

Lapsos de escritor com recaídas de sessão da tarde (emendando direto em malhação). Concordo com o Antônio, com alguma revisão (tirando as brincadeiras internas e comentários que só nós entendemos)o texto poderia concorrer a alguma coisa sim. Well done Rachel!

Japa disse...

Muito bom!

Anônimo disse...

Você parece saber dar uma boa festa!

Ponto alto do conto:
- Ok, ok. Não será difícil. Familiares?
- Sim... Esses sempre estarão presentes, mesmo que eu não os convide. É inevitável. Família é um fardo que você carrega para o resto de sua vida. Ou a dívida é financeira ou é emocional, contudo, uma coisa é certa: ela é impagável.

Achei o "Uma última coisa: tome conta dela." um pouco melodramático. Podia ter terminado o conto sem.

Beijos

Unknown disse...

Se o "dela" estiver se referindo à garrafa Jack Daniel's fica maneira. Fora isso, podia ficar sem mesmo.
Mas bom! Bom!!

Anônimo disse...

O final ficou melodramático (caso ela seja uma mulher); gostei do "dela" se referir a garrafa de Jack Daniel's mas será que não é o tema do conto: dela = a festa?

Anônimo disse...

Estou com o Andrei...

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